São Francisco do Conde
Caminhar por São Francisco do Conde é permitir-se um mergulho no tempo e no espaço. Distante apenas 66 km de Salvador, muitas vezes leva o visitante a pensar estar ainda na Bahia colonial, ao se deparar com os imponentes prédios de herança portuguesa e a Igreja de São Francisco. Muda o ângulo e pronto: temos a Ilha Cajaíba bem em frente ao porto do município de menos de 27000 habitantes. Deste modo, pode-se apreciar ainda um reduto de Mata Atlântica. De barco, outra opção, a região que envolve vários manguezais oferece passeios inesquecíveis pelas ilhas da Baía de Todos os Santos.
No passado, quando houve a segunda guerra contra os índios dos rios Paraguaçu e Jaguaripe, Mem de Sá conduziu as tropas até a região onde fica São Francisco do Conde, e demarcou as terras onde ergueria um engenho seu. O conde que se agregou ao nome do santo advém do Engenho do Conde, assim conhecido por ter sido herdado por dom Fernando de Noronha, terceiro conde de Linhares, genro de Mem de Sá.
Do alto da cidade, a gente pode projetar um tempo passado, há cerca de 700 anos, quando por estas paragens, neste pedacinho do recôncavo da Baía de Todos os Santos, os Tupinambás e os Caetés Negros deslizavam em canoas como as que estão agora no cais. Ou talvez imaginar Américo Vespucci, o florentino, navegando em 1 de novembro de 1501 por estas águas e encarregando-se de batizar a vila de São Francisco, a região inteirinha do recôncavo baiano e o golfão descoberto, que nominou como Baía de Todos os Santos, por ser esta a data em que os católicos comemoram os seus santos todos.
Riquíssima em manguezais, a região é excelente também para explorar redutos de Mata Atlântica ainda preservados da devastação que ocorreu nos centros urbanos.
Diversos engenhos e casas de farinha do século XVI ao XIX ainda resistem e convidam ao passeio por um Brasil colônia distante no tempo e no espaço deste país do terceiro milênio. Algumas capelas nas fazendas próximas, pertencentes a famílias ricas como a de Clemente Mariani, guardam a arte barroca e setecentista dos primórdios. No século XVIII, houve um censo que registrou em SFC 325 casas, 14 engenhos e 2724 pessoas.
Uma colcha de retalhos de seda e fustão é hoje o retrato urbano de São Francisco do Conde. Entre a rica arquitetura colonial, podemos ver prédios mais simples, como esta igrejinha de Nossa Senhora,
ou palafitas montadas sobre os oleodutos da Petrobrás e casebres miseráveis por toda a periferia. Embora seja a cidade da riqueza do açúcar, no tempo passado, e do petróleo, na atualidade, os ecos da escravidão e da desigualdade de renda assombram ainda a população paupérrima de São Francisco do Conde. Mesmo a cidade apresentando a maior renda percapta do país( R$300.000,00 por pessoa) e a prefeitura recebendo royalties mensais de R$10.000.000,00 (dez milhões por mês!) da Petrobrás, a população não desfruta de saneamento básico, poucas ruas são asfaltadas na periferia, o serviço médico é muito precário e a educação sofrível. Há que se pensar na administração …
É comum vermos a população na janela a olhar a vida passar. Carentes, sem muitas perspectivas, parecem todos personagens do poema Cidadezinha Qualquer de Drummond.
A Casa da Câmera e Cadeia - até hoje eu acho graça da ironia da Câmera e da Cadeia estarem juntas - construída no século XVIII, fica na Praça da Independência, a poucos passos do cais.
O prédio está em bom estado de conservação e mantém a pintura tradicional das construções lusitanas, mas, apesar da importância histórica, não está tombado pelo patrimônio histórico, como quase tudo em SFC.
Aqui e ali, desponta o casario colonial, mas o ponto alto da arquitetura neste reduto baiano é mesmo a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, construída no século XVI. Palmeiras imperiais ao passo que anunciam a igreja também a escondem :
O barroco vai se revelando aos olhos mais atentos, já na fachada principal, quando vemos a concha atrás da imagem do Santo Francisco. Se Gioto pintou toda a catedral de Assis e nos deixa embasbacados e boquiabertos, em SFC é a falta de conservação do patrimônio que nos faz sentir arrepios. A Igreja belíssima precisa de reparos urgentes embora sua fachada esteja em bom estado.
Observe a simetria das formas, o espelhamento: maravilhas da arte .
Não foram poucos os Franciscos desta terra. A Capitania outrora pertenceu a Francisco Pereira Coutinho, o Rusticão, doada em 05 de abril de 1534 em Évora, Portugal. Na Ponta do Padrão na Barra da Baía - Salvador , o Rusticão fundou a sua vila, conhecida posteriormente como Vila Velha ou Vila do Pereira. Interessante o dado porque nos faz viajar nas nomenclaturas do presente. O Pereira é hoje o nome de um badalado restaurante em Salvador e Vila Velha o nome de um dos mais antigos teatros da capital, importante por ter revelado no show Nós, por exemplo, nomes como Gal Costa, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé.
Vou voltar a caminhar pelo recôncavo, voltarei a São Francisco do Conde. De lá, trarei mais desta nossa Bahia para a gente.
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